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'Visions of the Emerald Beyond', o auge da segunda encarnação da banda Mahavishnu Orchestra

Atualizado: 22 de mai. de 2024

Referência no jazz fusion, grupo reuniu musicistas renomados para seu quarto álbum de estúdio


Banda Mahavishnu Orchestra se apresentando no palco do Montreux Jazz Festival
Mahavishnu Orchestra apresentando o repertório de seu disco anterior, Apocalypse, no Montreux Jazz Festival, em 1974 | Foto: Divulgação/Montreux Sounds SA/Eagle Rock Entertainment Ltd

Em fevereiro de 1975, o jazz fusion ganhou mais um grande disco do Mahavishnu Orchestra, o Visions of the Emerald Beyond, quarto álbum de estúdio da banda. Contando com o guitarrista inglês John McLaughlin, o violinista francês Jean-Luc Ponty – este que vivia o que pode ser considerado o auge da carreira –, o baixista norte-americano Ralphe Armstrong, o baterista estadunidense Narada Michael Walden e a cantora e tecladista norte-americana Gayle Moran, a nova formação trouxe o estilo clássico com o qual o grupo se consagrou, ou seja, a mescla do jazz com o rock, configurando um jazz fusion que passeia, às vezes, pelo rock progressivo, sob o acréscimo do jazz-funk e do sinfônico progressivo, este último herança do disco anterior, Apocalypse, de 1974.

 

Visions of the Emerald Beyond contou com as contribuições do trio de cordas composto por Steven Kindler (primeiro violino), Carol Shive (segundo violino e vocais) e Phillip Hirschi (violoncelo), além de Bob Knapp (flauta, trompete, fliscorne e vocais) e Russel Tubbs (saxofones alto e soprano). As gravações do disco ocorreram entre os dias 4 e 14 de dezembro de 1974, no Electric Lady Studios, em Nova Yorque, e a mixagem no Trident Studios, em Londres. Produzido por Ken Scott e John McLaughlin, o álbum foi lançado nos Estados Unidos pelo selo Columbia, e alcançou a posição 68 na Billboard 200.

 

Antecedentes

Membros do Mahavishnu Orchestra enfileirados após um show
Jerry Goodman, Jan Hammer, John McLaughlin, Billy Cobham e Rick Laird, a primeira formação | Foto: Divulgação

O Mahavishnu Orchestra formou-se em 1971, a partir do desejo de John McLaughlin de criar um grupo para tocar músicas voltadas ao jazz fusion, estilo que ganhara força no final dos anos 1960 com artistas mesclando o jazz com o rock, funk e rhythm and blues. McLaughlin era discípulo do trompetista norte-americano Miles Davis, um dos maiores nomes do jazz que lançou, em 1969, o álbum Bitches Brew, que trazia, entre as faixas, uma composição de Davis para McLaughlin intitulada com o nome deste, e que se transformaria em um clássico do fusion.

 

Naquela altura, McLaughlin, que também integrara o grupo de fusion The Tony Williams Lifetime, já contava com 3 álbuns solo lançados. Dessa forma, ele recrutou o baterista panamenho Billy Cobhan e o violinista norte-americano Jerry Goodman, que já haviam trabalhado junto dele em seu terceiro álbum de estúdio, My Goal's Beyond (1971), além do baixista irlandês Rick Laird, conhecido de McLaughlin há vários anos, e do tecladista tcheco Jan Hammer, conhecido de um amigo do guitarrista. O grupo rapidamente fez sucesso, tamanha era a conexão e a virtuosidade dos integrantes e o fato de que o jazz fusion fazia cada vez mais sucesso nos Estados Unidos.

 

Então, a primeira encarnação do Mahavishnu Orchestra, que pode ser chamada de “formação clássica” da banda, lançou o primeiro álbum, The Inner Mounting Flame, em novembro de 1971. O disco é o mais famoso do grupo, trazendo alguns dos maiores sucessos deles, a exemplo de You Know, You Know, Vital Transformation e Meeting of the Spirits. O lançamento seguinte ocorreu em 1973, com Birds of Fire, seguido do disco ao vivo Between Nothingness & Eternity, do mesmo ano, lançado no lugar do álbum que se tornou um dos motivos para a dissolução dessa primeira formação, o The Lost Trident Sessions, desenterrado apenas em 1999, por conta de divergências entre os músicos quanto à qualidade do material originalmente gravado em estúdio.

 

Faixa-a-faixa: lado A

Capa e contracapa do álbum Visions of the Emerald Beyond
Arte da capa e contracapa criada por Chris Poisson | Foto: Discogs/Reprodução

As músicas do Visions of the Emerald Beyond têm forte influência da religião indiana, sobretudo do líder Sri Chinmoy, de quem John McLaughlin se tornou seguidor. O próprio título do álbum faz referência a um poema de Chinmoy que consta no encarte do disco. Ele diz “Não sou mais o cliente tolo de uma brisa seca, estéril, intelectual / Vou comprar só as visões tecedoras do além-esmeralda / Meu coração-tapeçaria capturará os Sorrisos do Himalaia do meu Piloto Supremo / No enterro da minha mente afundada, é o reavivamento do meu coração de escalada / No sepultamento da minha mente falecida, é a festa da minha vida que me abraça”. Com exceção da faixa Cosmic Strut, composta pelo baterista da banda, todas as músicas foram escritas por McLaughlin.

 

O lado A se abre com Eternity's Breath Part 1, sob o teclado suave de Gayle Moran e dos pratos tocados por Narada Michael Walden que logo são acompanhados pelas frases de McLaughlin na guitarra; Jean-Luc Ponty surge com seu violino cheio de efeito e a música caminha à explosão com a bateria frenética; o emblemático riff de guitarra faz o instrumental crescer, sob o acréscimo do baixo de Ralphe Armstrong, do trio de cordas e dos vocais que entoam “Oh Senhor Supremo, Supremo / Deixe-me cumprir a tua vontade / Deixe-me cumprir a tua vontade”. De uma maneira que apenas ele poderia tocar, Ponty executa a transição dessa faixa à Eternity's Breath Part 2 com o violino, de forma que o ouvinte nem percebe a mudança, algo intrínseco à música progressiva.

 

Assim, Eternity's Breath Part 2 começa com o teclado e, de forma sagaz, vê-se embalada pelos riffs de guitarra, saxofone e cordas, em um funk contagiante que repete o conteúdo lírico da faixa anterior por meio de pequenas variações na linha de vocais. Como de praxe em quase todas as músicas do Mahavishnu Orchestra, McLaughlin performa um virtuoso solo de guitarra, sendo seguido por Ponty, que mostra não dever nada ao guitarrista nos quesitos fugacidade e improviso. Mais à frente, o guitarrista e o violinista novamente são os protagonistas, agora com um riff fervoroso em conjunto, acompanhados pelo contraste do teclado, fazendo a canção retornar à melodia principal de Eternity's Breath Part 1, na seção final. Tanto a primeira quanto a segunda parte são um convite para a viagem de fusion proporcionada por Visions of the Emerald Beyond, o que configura uma introdução perfeita.

 

O disco segue com Lila’s Dance, a partir da calmaria do teclado; os dedilhados característicos de McLaughlin aparecem e o baixo de Armstrong acompanha a bateria para o crescimento da melodia. Os violinos logo dão as caras para anunciar mais uma sequência instrumental de Ponty, que faz emitir um som com efeito “espacial” o qual pode ser conferido em discos que ele lançaria futuramente, a exemplo de Cosmic Messenger, de 1978. A ponte para a próxima parte da música é realizada e a guitarra e o baixo surgem com um novo groove de sonoridade maliciosa, como se anunciassem a chegada de um ser maldoso. Carregado de rapidez, o solo seguinte de McLaughlin representa esse alguém em ação, como se estivesse em uma luta. Mais à frente, os instrumentos de sopro anunciam a resistência que chega para vencer esse ser, encaminhando a um final em que os dedilhados calmos invadem a melodia, que termina com o suspiro final representado pelo trio de cordas e com a suavidade inicial das notas de teclado, como em uma mensagem de que os problemas podem sempre se resolver, embora haja adversidades no caminho. Seguindo essa linha de raciocínio, Lila’s Dance pode ser considerada um ótimo exemplo para a busca pela paz espiritual, inspiração que McLaughlin encontrava na religião indiana, o que influenciou algumas das composições do guitarrista.

 

O baixo e o violino anunciam Can’t Stand Your Funk, faixa seguinte, seguidos pelo riff “sujo” de guitarra que rapidamente é acompanhado pelo groove do baixo, pela ótima bateria e pelas “pontadas” dos instrumentos de sopro. O ritmo que provavelmente é o mais dançante de todo o disco segue por toda a música, sob um discreto som de fundo o qual serve para reforçar as mudanças entre um riff e outro. Tal faixa representa a fusão do jazz com o funk, em um recado quase literal de “o seu funk é irresistível”.

 

Cantos de pássaros levam o ouvinte para uma realidade no campo por meio de Pastoral, música subsequente. Logo, o violão introduz a harmonia e os violinos e o violoncelo fazem uma música à parte, em um verdadeiro entrelaço musical. As linhas mais rápidas representam animais correndo pelo campo; a vida selvagem acontece, hora mais calma, hora voraz. Em um momento, a melodia fica tensa, representando o perigo à espreita; algo ruim acontece ao personagem imaginado pelo ouvinte, seja ele qual for; apesar disso, a vida não pode parar e os pássaros permanecem cantando, em um tom irônico de calmaria.

 

Faith encerra o lado A com maestria, sendo iniciada pelo dedilhado de violão misterioso e pelo baixo sombrio. McLaughlin prepara acordes que propiciem ao violino de Ponty chegar ao céu a partir de uma linha melódica épica e crescente; tal momento da música representa algo grandioso sendo construído. Entretanto, a melodia é bruscamente interrompida; agora, reinam a incerteza e o medo; logo, essa grande construção, que se mostrou, na realidade, bastante frágil, é ameaçada pela desordem, que pode ser notada pelo riff “sujo” de guitarra. O “edifício” treme e cai velozmente – o violino, o baixo e a bateria representam essa queda –, em uma mensagem de que a vida pode desmoronar de maneira muito rápida. Seria a “fé”, título da música, o caminho para que a construção permaneça sólida e segura? Fica a questão, assim como a seguinte pergunta: de quem é a risada no final da faixa?

 

Lado B

Capa interna do álbum Visions of the Emerald Beyond
Design da arte interna criado por Paul Perlow, com fotografias de Chris Poisson | Foto: Discogs/Reprodução

O disco vira e o lado B é inaugurado pelo jazz-funk contagiante de Cosmic Strut, composta por Michael Walden. A guitarra chama a melodia, que continua com o groove de Armstrong no baixo e o teclado repleto de efeito de Moran, seguidos das frases em conjunto da guitarra e do violino que reverberam ao final; a bateria de Walden define o ritmo e anuncia as pontes por meio de viradas. Uma crescente épica antecede o solo “seco” de McLaughlin; mais à frente, Ponty retorna com um solo de violino característico, acompanhado do arranjo dos metais. Ao final, uma linha que remonta a finalização de Sister Andrea, lançada pela banda em 1973 no disco ao vivo, prepara a transição ininterrupta para If I Could See, em mais uma característica progressiva.

 

“Se eu pudesse ver dentro do meu coração / Veria que o Senhor do Universo vive lá / E em todos”, é o que canta Moran com sua voz angelical, acompanhada da linha de baixo mais sombria de todo o disco e do fundo preparado pelas cordas; a cadência do teclado “espacial” e a linha contínua emitida pelos metais anunciam o crescimento da música, que atinge o auge – não só dela mesma, mas do álbum, que tem alguns outros pontos altos –, por meio da bateria raivosa de Walden quase em simbiose com o baixo e da melodia arrebatadora do vocal de Moran; um acorde final contínuo faz a música emendar com a faixa seguinte.

 

A confusão final da composição anterior é aproveitada para a introdução de Be Happy, que já inicia com a bateria no volume máximo e a “batalha” de riffs e solos entre Ponty e McLaughlin, definindo o momento mais agitado do disco; o groove de baixo funciona como uma legitimação aos solos. Mais à frente, Ponty realiza um de seus melhores momentos no disco ao violino, mas a “batalha” sonora termina sem um ganhador, de fato, visto que McLaughlin responde à altura, como em Smile of the Beyond, do álbum anterior, em que eles travam outra pergunta-resposta com seus respectivos instrumentos. Tal embate – aqui, apenas simbólico – entre os dois artistas transbordaria a música e os palcos, visto que Ponty, em 1976, deixaria a banda sob a alegação de que McLaughlin não teria dado os devidos créditos a ele em Visions of the Emerald Beyond, motivo semelhante pelo qual a primeira formação do grupo se dissolveu. Futuramente, Ponty receberia royalties pelas faixas Pegasus e Opus 1, colocando um ponto final na discussão.

 

Em um contraste incrível, a faixa seguinte, Earth Ship, é mais calma, sendo iniciada pelo teclado leve de Moran e a “batida de coração” feita pela bateria, acompanhados pelo arranjo de cordas. Armstrong anuncia a variação com o baixo e a bateria adentra a composição, que segue com as frases delicadas de Ponty e McLaughlin; Walden é o dono da voz que canta “Paz no coração do amante/ Amor no coração do alegre, do alegre / Alegria no coração do doador”, uma letra em sintonia total com a tranquilidade da música, que ainda ganha o incremento da flauta, instrumento que dá mais leveza e doçura à melodia. Tal faixa relembra outros momentos de leveza em discos anteriores, como em You Know, You Know, o início de Dawn, A Lotus On Irish Streams, Thousand Island Park e Power of Love.

 

Para introduzir Pegasus, de maneira lenta e gradual, Ponty utiliza a técnica pizzicato, isto é, tocar o violino sem utilizar o arco, o que dá ao disco, novamente, um tom espacial e até psicodélico; ao fundo, ouve-se o dedilhado da guitarra, com a sobreposição do violino repleto de efeitos. O mistério, definitivamente, reina aqui, sob uma das melodias mais sombrias já criadas por Ponty; as notas feitas com pizzicato retornam, como se algo grandioso e amedrontador passasse na frente de alguém que observa o espaço – é plausível se tratar de um pegasus.

 

De maneira quase imperceptível, o instrumental subsequente de Opus 1 entra em cena, com Ponty e o trio de cordas compondo o entrelaçamento musical característico; a melodia diminui aos poucos e, ao final, lamenta algum acontecimento triste, exercendo ligação com a faixa que vem na sequência. O termo opus é utilizado para designar a numeração das composições de um artista, sendo visto mais no âmbito da música clássica. Estaria Opus 1 se referindo à composição primeira da história terrestre?  

 

O gongo em forma de efeito de guitarra introduz On the Way Home to Earth, o encerramento do álbum, como em um sinistro badalar de sino. A bateria acompanha a melodia psicodélica composta por McLaughlin, que agora trava uma “batalha” com as baquetas de Walden; os dois instrumentos soam como duas bestas lutando. O badalar retorna mais pesado e o baixo entra com sua linha jazzística ao lado da bateria, que faz a música crescer. Assim, McLaughlin inicia o solo que, provavelmente, é o ponto alto do guitarrista no disco inteiro, com frases que soam como um objeto gigante que cai em direção à Terra; nesse ponto, o teclado entra com seu tom apaziguador. É como se os músicos tivessem criado dois finais diferentes para o instrumental, mas, vendo que os dois se complementavam, juntaram as duas melodias. Num primeiro momento, confusa e repleta de raiva, a guitarra acompanha a voracidade da bateria e do baixo; entretanto, a serenidade, a segunda via oferecida pelo arranjo de teclado, pelo plano maior, pela divindade citada em outros momentos do álbum, pelo Piloto Supremo, invade a consciência desse ser, que, no fim, expulsa os tormentos de sua mente – baixo e bateria cessam – e se rende à melodia mais calma – guitarra e teclado se juntam no som derradeiro. Por meio de um dos finais mais emblemáticos que já ouvi em todos os tipos de música, On the Way Home to Earth oferece uma síntese de todo o conteúdo do álbum, de tudo que os artistas, sobretudo o líder e compositor de quase todas as faixas, John McLaughlin, desejavam passar com a gravação. É relevante dizer que, com um final desses, torna-se incomum não se sentir impressionado com o poder da música aqui criada.

 

Significado

Todos os membros da banda Mahavishnu Orchestra
O time por trás de Visions of the Emerald Beyond | Foto: Facebook Jean-Luc Ponty/Reprodução

O significado ou o conceito por trás de Visions of the Emerald Beyond fica a gosto do ouvinte. Para mim, esse disco diz respeito à viagem possível de se fazer para dentro de nós mesmos, sob o pretexto de descobrir os significados da vida e a busca pela paz, em um mundo onde isso é cada vez mais difícil. Assim como o Yes fez em seus discos Close to the Edge e Tales From Topographic Oceans, o Mahavishnu Orchestra, com seu virtuosismo e sua criatividade incontestáveis, influenciado pela religião indiana, tenta passar essa mensagem. Parafraseando If I Could See e o sentimento a partir de On the Way Home to Earth, eu diria: “Pudesse eu ver o que se passa na minha mente e em meu coração ao ouvir esse álbum, veria a confusão, o medo e a raiva sendo vencidos pelas melodias emblemáticas, pelo amor e pelo arrepio ao ouvi-lo”.   

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Blog editado por Caio Alves, graduando em Jornalismo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

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